Pedíamos cerveja. E ela pagava a conta, minha maluca classe média que me seguia até o subúrbio

fugindo de não sei o quê, ainda não entendi.

Mesmo depois de todos esses anos ainda não te entendi. Mas ainda me lembro do seu cabelo loiro

oxigenado Marcia 10 e a nossa vontade de não sair dali, de continuar nossa viagem por mais duas

semanas. Só mais duas semanas, até você lembrar que tem um namorado, me abandonar, me ignorar

por telefone, fingir que não me conhece, esquecer toda a viagem, que deixou os remédios na minha

casa e a blusa e o sutiã que caiu atrás da minha cama enquanto você me lambia e eu gemendo e

você em cima de mim querendo me penetrar pelos ossos.

Pena que você me deixou no quarto de hotel sozinha e a caixa de pizza vazia e esse HETERO

horroroso. Talvez você este com outro ou outra, mas não acredito que era você atravessando o sinal,

cara de quem encaretou.

Tudo bem, eu também encaretei, mas ainda uso a cueca que você não me deu e ainda não aprendi a

menstruar e ainda não aprendi que não posso transar pela primeira vez no primeiro encontro estando

menstruada. E que devo fazer o ritual da sedução, lidar com as mocinhas, ser delicada e

compreensiva, viver o odor do erótico e não o pornõ, mesmo que nos fôssemos puro pornõ e eu sua

moça King Lady post porn,

Ainda não entendi que bom mesmo é sem desodorante e roupa velha, em vez daquele vestido

horroroso que fez você rir de mim. Toda essa pose babaca que eu estou vivendo agora, essa cara

limpa, esse não uso de drogas, essa inteligência que me faz ser inútil na cama e me impede de

escrever versos, aqueles versos que me faziam desejante e disposta a botar tudo pra fuder,

literalmente, abismo kamikase pra cima de você. Minha loucura, tesão ariano com ascendente em

áries com meu áries com ascendente em leão pra cima de você.

Lembro que decidimos morrer e que eu estou sóbria. Quem me vê hoje não acredita o saco que

virei, mas tudo bem. O filme não deu certo, nada aqui deu certo. Já estou longe dessas lembranças,

desse quarto de Motel barato. Nossa amiga travesti virou Barbie e eu me apaixonei por quem você

odiaria. Amei o limpo, o conceito e até o acadêmico, mas também não deu certo, terminou.

Eu aqui fazendo planos para ir embora, abandonar todas vocês, todos os resquíscios e essa casa

imunda, E eu aqui me masturbando e pensando em você.

Porra, porque pirei e abandonei tudo pela milésima vez?

Ainda não entendo porquê achavam que eu estava me prostituindo. Só porque eu estava às três da

manhã na rodoviária tentando ir pra minha casa? Me expulsaram da cadeira de plástico velha, suja e

meio quebrada só porque eu peguei no sono e virei moradora de rua até me acordarem e me

tratarem como um cachorro sujo e fedorento. Bicha perdida no meio do nada, contando as moedas

pro café aguado e cheio de açúcar. Pelo menos a moça do caixa me deixou ficar ali, pelo menos o

cara Xing Ling sorriu pra mim depois que comprei uma bugiganga qualquer pra que me deixasse

lavar o rosto no seu banheiro depósito cheio de caixas.

Por sorte, desisti de atravessar aquela passarela imunda fedendo a mijo, por mais habitual que seja

eu parar ali no meio da noite tentando chegar em casa ignorando tudo isso que é nojento e inútil.

Voltei pro Rio, dormi no ônibus e percebi que todo esse meu lixo é meio demais, voluptuoso e

excessivo. Ainda